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Eternamente Menina

Eternamente Menina

05.05.05

Memórias de mim...


Otília Martel

 [Óleo de  Victoria Sypniak]

 

Sinto a porta abrir-se devagar.

A música toca baixinho, como sempre. Jamais prescindi de música na minha vida.

Os passos dirigirem-se à janela, correm os reposteiros, deixando a claridade invadir o aposento.

- Tornaste-te a deitar tarde!

- És sempre a mesma.

Sorrio. Serei sempre igual a mim própria.

Espreguiço-me calmamente. O sol ilumina-nos, com aquela claridade de uma manhã radiosa, de Primavera.

Sinto as mãos no meu cabelo, devagarinho, acariciando-me.

Fecho os olhos. Deixo o sol bater-me no rosto e recordo outras manhãs, como esta.

As mãos continuam a acarinhar-me.

Sempre gostei destes carinhos. Transbordo de felicidade, nestes momentos.

Recordo, como num filme, toda a minha vida. Sempre fora optimista. Sempre soubera reter um pouco de alegria, mesmo nos maus momentos.

As mãos ajudam-me a levantar e, naquele momento, sinto o abraço carinhoso.

Uma alegria sem fim, percorre o meu corpo. Um sentimento calmo, mas intenso, invade-me.

Sou eu novamente. Na plenitude da minha juventude, sentindo aquele abraço.

Mil imagens passam velozmente pela minha mente. Sei que sou feliz, porque amei tudo na minha vida, intensamente.

Não me importo que tenha envelhecido. Não importam as rugas, que sulcam o meu rosto. Não importa, que os meus olhos, mal possam ver.

Porque consigo ver, para além daquilo que a visão nos dá. Vejo o amor que dei e recebi.

Vejo toda uma vida, de emoções, contradições, felicidade e infelicidade.

Mas, acima de tudo, vejo as pessoas que me rodeiam e, sinto neste abraço, todo o amor que espalhei.

- Anda, preguiçosa... passaste a noite a escrever.

- Nunca hei-de perceber, se o que escreves, é verdade ou ficção.

Solto uma gargalhada, feliz.

O sol continua a brilhar. Recordo, todas aquelas pessoas que passaram por mim, e me deixaram algo delas.

Sou a vivência de todos. Com todos sofri. A todos amei, sinto na minha alma, todas as suas dores, incorporei os seus ideais, as suas vivências e, aprendi com eles, a viver melhor.

Sou o resultado de tudo e de todos.

Vivi a solidão dos que me rodearam, as dores dos que me amaram, enxuguei as lágrimas de quem chorava, e sobrevivi.

Tenho oitenta e cinco anos,  cabelos brancos de neve, rios de rugas no meu rosto, mas um coração que ainda bate por todos.

- Dá-me a mão, Avó... anda, vamos ver o mar...

 

(Dedicado à minha Avó)

 

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