A paixão da escrita...
Gosto de escrever sobre tudo e sobre nada. E este nada é tudo para mim.
Gosto de escrever sobre o amanhecer, de ouvir os pássaros no arvoredo por debaixo da janela da minha cozinha. Do entoar da resposta que os meus agapornes através da janela aberta lhes dão enquanto bebo o café acabado de fazer.
Gosto de escrever o que me vai na alma neste dia a dia com e sem sol. Do florir das pétalas nos vasos da minha janela. Do som no silêncio do dia. Da música que toca, permanentemente, no canal Smooth da Tv. Do amor que paira em todos os objectos e fotografias dispersas nos aposentos por onde passo.
Gosto da simplicidade das palavras (sem acordo ortográfico), que bailam à minha volta.
Escrever é a sinfonia que a minha alma compõe, mesmo sem saber música dos mestres.
Gosto de escrever sobre os pequenos grandes pensamentos que me invadem, na memória do passado e do presente. Ler a minha alma longe da supérflua vivência que emana das abstractas ocorrências sociais.
Gosto de escrever (partilhar) sobre quem leio e o que escrevem.
Ler é a paixão que aliada a outras paixões me faz permanecer viva e viva querer continuar a viver.
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas.
Imagem: o verde da janela da minha cozinha onde os pássaros pernoitam e fazem ninhos...